GMF realiza inspeções no sistema carcerário e socioeducativo em Feijó
Ação buscou garantir direitos constitucionais dos detentos, verificar superlotação nas unidades prisionais e o chamado Estado de Coisas Inconstitucional, definido como violações “massivas e generalizadas de direitos”
O juiz de Direito Robson Aleixo e a juíza de Direito Andréa Brito, coordenador e vice-coordenadora do Gabinete de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo (GMF), estiveram reunidos, na última semana, com integrantes da sociedade civil, para ouvir demandas de parentes de presos e lideranças indígenas.
A agenda de trabalho também incluiu a realização das inspeções anuais promovidas pelo GMF nas unidades destinadas ao cumprimento de penas de privação de liberdade e internações por medidas socioeducativas no estado do Acre, nos municípios de Feijó e Tarauacá.
Qual a função do GMF?
De acordo com a Resolução CNJ nº 214/2015, compete aos GMF´s fiscalizar e monitorar as condições de cumprimento de pena, de medida de segurança e de prisão provisória e supervisionar o preenchimento do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP), com a adoção das providências necessárias para observância das disposições legais aplicáveis e para assegurar que o número de pessoas presas não exceda a capacidade de ocupação dos estabelecimentos.
Cabe ainda ao GMF fiscalizar e monitorar a condição de cumprimento de medidas socioeducativas por adolescentes autores de ato infracional e supervisionar o preenchimento do Cadastro Nacional de Inspeções em Unidades e Programas Socioeducativos (CNIUPS), com a adoção das providências necessárias para observância das disposições legais aplicáveis e para assegurar que o número de adolescentes não exceda a capacidade de ocupação dos Centros Socioeducativos.
Tortura, maus-tratos ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes
Entre as atribuições do GMF estão ainda receber, processar e encaminhar reclamações relativas a irregularidades no sistema de justiça criminal e no sistema de justiça juvenil, com a adoção de rotina interna de processamento e resolução, principalmente das informações de práticas de tortura, maus-tratos ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Ouvindo a sociedade civil
Em atividade construída com a colaboração e articulação do Programa Fazendo Justiça, Andréa Brito, que também é magistrada auxiliar da Presidência do TJAC, abriu a agenda com um encontro com representantes de familiares de pessoas privadas de liberdade na sede do Fórum Quirino Lucas de Moraes, onde ouviu relatos sobre ausência de exame de sanidade mental solicitado há mais de um ano, falta de tratamento e medicação adequada para detento com deficiência mental, demoras na realização das audiências de justificação, não realização de audiência de custódia, entre outros.
Presos indígenas
Em seguida, o coordenador e a vice-coordenadora do GMF receberam lideranças indígenas dos povos Huni Kui e Shanenawa, que expressaram preocupação com o tráfico de drogas e a atuação de organizações criminosas nas aldeias do Vale do Juruá. Os representantes dos povos indígenas destacaram a necessidade de proteger seus líderes no processo de monitoramento de indígenas autores de crimes na região.
Na ocasião, foi esclarecido o procedimento contido na Resolução CNJ nº 287/2019, que estabelece as formas de tratamento das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, com a observância da cultura própria dos povos tradicionais no processo de responsabilização penal.
Unidade do ISE/AC em Feijó
Também foi realizada inspeção na unidade do do Instituto Socioeducativo do Estado do Acre (ISE/AC) em Feijó. Na unidade, foram checadas as condições de alojamento dos internos, fornecimento de material de higiene, documentação civil, acesso a atividades laborais, educativas e culturais.
Os magistrados conversaram com todos os 16 adolescentes que atualmente cumprem medidas de internação definitiva no local, ouvindo queixas e reclamações dos internos. A capacidade do Centro Socioeducativo de Feijó é de 32 vagas. A taxa de ocupação atual é de 50%.
A juíza de Direito Andréa Brito destacou que as mudanças verificadas na unidade do ISE/AC, desde a última inspeção, foram bastante positivas para o processo de ressocialização dos adolescentes em situação de conflito com a lei no Acre.
Nesse sentido, a magistrada assinalou o bom papel desempenhado pela direção do Instituto Socioeducativo do Estado do Acre e também do Juízo da Vara Cível da Comarca de Feijó, que promoveu esforços realizando audiências concentradas.
Os julgamentos atenderam à Recomendação CNJ nº 98/2021, que indicou aos Tribunais e autoridades judiciais a adoção de diretrizes e procedimentos para realização de audiências concentradas para reavaliar as medidas socioeducativas de internação e semiliberdade em todo país.
“São todas as instituições sendo fortalecidas por esse desejo de ressocializar, de realmente fazer a transformação – e não existe essa possibilidade, no sistema de privação de liberdades com superlotação. Há cinco anos era impossível pensar em todos esses avanços no (sistema) Socioeducativo”, considerou a magistrada.
Tarauacá: Presídio Moacir Prado
Em Tarauacá, a inspeção teve início pelo Presídio Moacir Prado, no qual foi verificada situação de superlotação em várias celas. Em uma delas, mais de 22 presos se amontoavam em uma cela com capacidade para apenas 8 detentos.
Segundo dados preliminares do GMF, há no Presídio Moacir Prado, 638 detentos cumprindo penas no regime fechado, a maioria por tráfico de drogas ou delitos relacionados ao tráfico. Desse total, 329 são presos provisórios. A unidade tem capacidade para até 280 detentos. A taxa de ocupação é de 225%, número que evidencia o tamanho do problema da superpopulação nos estabelecimentos prisionais.
UPF Tarauacá
Já na Unidade Penitenciária Feminina (UPF) de Tarauacá, foi registrada situação mais confortável, com a presença de 23 mulheres encarceradas, sendo que destas 13 são provisórias. A capacidade da unidade é de 36 vagas, o que mostra uma taxa de ocupação de 63,8%.
Aguarda-se agora a divulgação do relatório oficial da nova vistoria, que deverá proporcionar um retrato mais detalhado da evolução da unidade prisional, por comparação e análise dos dados.
As inspeções do GMF e o Estado de Coisas Inconstitucional
Os procedimentos de inspeções anuais do GMF atendem às diretrizes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para garantir a cidadania e direitos fundamentais dos detentos, atendendo à política de desencarceramento do STF e a aplicação das alternativas penais, mais eficazes e baratas, que fundamentam as bases da Justiça Restaurativa.
O termo Estado de Coisas Inconstitucional foi criado pela Corte Constitucional da Colômbia e é declarado nos momentos em que o Tribunal se depara com uma situação de “violação massiva e generalizada” de direitos fundamentais, afetando um grande número de pessoas. O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da medida cautelar na ADPF 347/DF, que trata sobre as condições desumanas do sistema carcerário brasileiro, incorporou o instituto ao ordenamento jurídico do país.
Outras atribuições do GMF
Segundo a redação dada pela Resolução CNJ nº 368/2021, cabe ao GMF fiscalizar e monitorar a entrada e a saída de presos do sistema carcerário e supervisionar o preenchimento do Sistema de Audiência de Custódia (SISTAC), do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP) e do Sistema Eletrônico de Execução Penal Unificado (SEEU); fiscalizar e monitorar a entrada e a saída de adolescentes das unidades do sistema socioeducativo e supervisionar o preenchimento do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL); acompanhar o tempo de duração e, com base nos sistemas eletrônicos, divulgar no sítio eletrônico do respectivo tribunal relatório quantitativo semestral das: a) prisões provisórias; b) alternativas penais aplicadas, inclusive medidas cautelares diversas da prisão e medidas protetivas de urgência, com indicação da respectiva modalidade; c) medidas de monitoração eletrônica de pessoas, como medida cautelar, medida protetiva de urgência e no âmbito da execução penal; d) medidas socioeducativas.
Também estão incluídos o acompanhamento do tempo de duração e, com base no sistema eletrônico, divulgação no sítio eletrônico do respectivo Tribunal de relatório mensal do quantitativo das internações provisórias decretadas no sistema de justiça juvenil, oficiando a autoridade judicial responsável pela extrapolação do prazo máximo de 45 dias; promoção de iniciativas para controle e redução das taxas de pessoas submetidas à privação de liberdade, incentivo à adoção de alternativas penais e medidas socioeducativas em meio aberto; incentivo e monitoramento e realização de inspeções periódicas das unidades de atendimento socioeducativo, bem como a discussão e apresentação de soluções em face das irregularidades encontradas; fiscalização e monitoramento da regularidade e funcionamento das audiências de custódia, auxiliando os magistrados na implementação do serviço de atendimento à pessoa custodiada e outros serviços de apoio.
Ainda entre as atribuições do GMF estão a fiscalização e monitoramento dos pedidos de transferência e de prorrogação de permanência de pessoa presa nas diversas unidades do sistema penitenciário federal, inclusive daquela inserida em regime disciplinar diferenciado, incentivando, para tanto, o uso do Sistema Eletrônico de Execução Penal Unificado (SEEU); requerimento de providências à Presidência ou à Corregedoria do Tribunal de Justiça ou Tribunal Federal local, pela normalização de rotinas processuais, em razão de eventuais irregularidades encontradas; representação ao DMF pela uniformização de procedimentos relativos ao sistema carcerário e ao sistema de execução de medidas socioeducativas; acompanhamento e emissão de parecer nos expedientes de interdições parciais ou totais de unidades prisionais ou de cumprimento de medida socioeducativa, quando solicitado pela autoridade competente; proposição de elaboração de notas técnicas, destinadas a orientar o exercício da atividade jurisdicional criminal, de execução penal e socioeducativa ao DMF, que poderá encaminhar a outros órgãos ou solicitar colaboração destes; colaboração, de forma contínua, para a atualização e a capacitação profissional de juízes de Direito e servidores envolvidos com o Sistema de Justiça Criminal e o Sistema Socioeducativo.