Feijó 24 horas

A verdade dos fatos

Era uma manhã ensolarada, como a de hoje, aquele 8 de maio de 1964. O sol era o único elemento capaz de aquecer os corações dos acreanos recém-saídos da condição de habitantes de um território federal para a de moradores de um Estado-membro da República Federativa do Brasil, o nome oficial do país varonil, dois anos antes, em 15 de junho de 1962, com a assinatura da Lei 4.070. O medo estava ano ar porque, naquele mesmo dia, homens armados do Exército cercariam o prédio da Assembleia Legislativa e o próprio Palácio Rio Branco e cassariam o governador José Augusto de Araújo, o primeiro eleito pelo voto popular após a assinatura da lei que elevara o Acre à condição de Estado.

A assinatura, quase dois anos antes, deu-se numa solenidade no Palácio do Planalto da qual participaram, além do autor da proposta, o deputado José Guiomard dos Santos (da UDN), o presidente João Goulart e o primeiro-ministro Tancredo Neves, na curta experiência vivida pelos brasileiros de um país sob regime de parlamentarismo misto. Naquele 8 de maio de 1964, poucos dias depois de o país, de volta ao presidencialismo, ter perdido o presidente Goulart, que renunciou e fugiu para o Paraguai para não se preso ou morto, quando o Brasil mergulhou numa longa noite que duraria mais de 25 anos, com a ditadura militar mais sangrenta de que se tem notícia na América do Sul, os corações dos acreanos também estavam abalados porque o medo causado pelo novo regime também chegara às terras locais materializado com prisões e ameaças contra todos os que criticassem ou fizessem oposição ao novo regime. Filiado ao PTB e amigo pessoal de João Goulart, o presidente deposto, José Augusto de Araújo, apesar de governador de um estado pequeno e isolado nos confins da Amazônia, havia entrado no radar dos generais que assaltaram a democracia e o próprio país.

José Augusto, filho do comerciante Raimundo Araújo, conhecido como “Dinho”, e da professora Nair, nascera em Feijó. Desde muito cedo passara acumular a função de professor com a política. Licenciado em geografia e história pela antiga Universidade do Estado da Guanabara exerceu o professorado em paralelo com a atividade política e foi eleito suplente de deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1958, e exerceu o mandato mediante convocação. Na época, o território federal do Acre poderia enviar à capital da República, o Rio de Janeiro, apenas dois deputados federais. Depois de ter sido um deles, nas eleições de 1962, José Augusto aproveitou a legislação vigente e conquistou um mandato de deputado federal, ao qual renunciou por ter sido eleito governador do Acre, o que era permitido na época. Ele vencera exatamente o criador da ideia de fazer o Acre um Estado do Brasil, José Guiomard dos Santos, que disputou cumulativamente também o governo e o mandato de senador. Derrotado como governador, virara senador.

O advento da ditadura militar no país pegou o jovem governador José Augusto com problemas no coração, razão pela qual ele ia constantemente ao Rio de Janeiro em busca de tratamento. Naquele 8 de maio de 1962, ao obter informações de que um oficial de patente maior que a sua estava a bordo de um navio que o traria e Belém, no Pará, para ser o novo governador do Acre, o então comandante da 4ª Companha de Fronteira do Acre, major Edgard Pedreira de Cerqueira, natural do Rio de Janeiro e sem nenhuma vinculação anterior com a política, percebera que estava ali, diante de seus olhos, a chance de sair da sua obscura condição. Ele daria o golpe dentro do golpe.
A bordo de um jeep e cercado de homens armados de fuzis e metralhadoras, ele dirigiu-se ao Palácio Rio Branco e intimou o então governador à renúncia. Não o encontrou em Palácio e passou a intimação para o então secretário geral do Estado, uma espécie de chefe de gabinete civil, Alfredo Mubarac, já que, na época, o Acre não tinha, ainda, a figura do vice-governador.

Em seguida, Cerqueira dirigiu-se ao prédio da chamada Escola Normal, onde funcionava, provisoriamente, a sede da Assembleia Legislativa. Ali, o governador teria quatro dos nove deputados como seus aliados eleitos por seu Partido, o PTB. Pressionados pelas baionetas dos militares, até os deputados do PTB apoiaram a renúncia do governador – a exceção do Nabor Júnior, que se ausentou da sessão alegando dores de barriga.

Mais tarde, em 4 de julho de 1966, o governador foi cassado e teve seus direitos políticos suspensos por dez anos com base no Ato Institucional nº 2, editado em 27 de outubro de 1965). Herdeira de sua influência política, sua mulher, Maria Lúcia Melo de Araújo, com quem teve dois filhos, elegeu-se em novembro seguinte deputada federal pelo Acre na legenda do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), sendo igualmente cassada em outubro de 1969 por força do Ato Institucional nº 5, em, 13 de dezembro 1968.

José Augusto faleceu no Rio de Janeiro, depois de cumprir prisão domiciliar, dos problemas no coração. Deixou uma herdeira política: a procuradora do Estado, Maria de Nazareth Araújo, que chegou a ser vice-governadora do Estado de 2010 a 2014. O governador foi reabilitado politicamente, por mortem, por decisão da Assembleia Legislativa, que revogou a cassação.